domingo, 4 de dezembro de 2016

Livros de música para o público infantojuvenil. Dani Del Sole.




TÍTULO: LIVROS DE MÚSICA PARA O PÚBLICO INFANTOJUVENIL.
AUTORA: DANIELA DEL SOLE.

RESUMO

            O artigo “Livros de música para o público infantojuvenil” têm como objetivo analisar três obras de autoras brasileiras acerca de importantes personagens da música: Mozart, Villa-Lobos, Cartola e Chiquinha Gonzaga. A metodologia envolveu a revisão bibliográfica, com leitura e análise das respectivas obras à luz do lexto de Madalena Klein “Literatura infantil e produção de sentidos sobre as diferenças: práticas discursivas nas histórias infantis e nos espaços escolares”.
            Os resultados dessas análises apontam para a pesquisa contínua, além da desnaturalização do olhar, sobretudo quando os assuntos são mais polêmicos, envolvendo desigualdades sociais, de gênero ou étnicas, além de discriminações aos deficientes físicos.

Palavras-chave: Música, infantojuvenil, literatura, discurso.

INTRODUÇÃO

A possibilidade de diálogo entre o texto "Literatura infantil e produção de sentidos sobre as diferenças: práticas discursivas nas histórias infantis e nos espaços escolares", de Madalena Klein e as obras: "Cadê a peruca do Mozart" (Sylvia Orthof); "Villa - Lobos" (Nereide S. Santa Rosa e Ângelo); "Cartola" (Edinha Diniz) e Chiquinha Gonzaga (Edinha Diniz), decorre do comprometimento de Klein em analisar o discurso contido nessas obras da literatura infantil, como artefatos culturais.
            Nos Estudos Culturais, área de estudos iniciada por Stuart Hall, Thompson e, no Brasil, por Maria Elisa Cevasco, as análises que estão voltadas para a educação residem na possibilidade de analisar algumas obras da literatura infantil, do ponto de vista da tolerância e aceitação em relação ao diferente.
            Assim, a literatura infantil é compreendida como "artefato cultural presente em diferentes contextos sociais, sendo a escola um espaço privilegiado para a leitura desses materiais." (Klein, p.3)
            É curioso pensar que as próprias editoras façam uma seleção das temáticas, como deficiência, aceitação, diferenças sociais e raciais, orientação sexual, ética e cidadania. Por meio da análise sobre como o "diferente" é visto nas obras, pode-se compreender e problematizar efeitos que venham a reproduzir a naturalização do olhar. Assim, olhar analiticamente para o modo como o diferente tem sido tratado requer uma percepção aguçada para desmistificar muitos dos preconceitos que ainda estejam implícitos às obras.


CONTEÚDO

1) ORTHOF, Sylvia. Cadê a peruca do Mozart. Editora Paulinas, 1998.

            Mozart é o protagonista do livro "Cadê a peruca de Mozart", em que a temática das diferenças não é abordada diretamente, embora a história da autora - Sylvia Orthof (1932-1997) trouxesse uma relevância para a compreensão de uma realidade mais complexa, na qual era filha de imigrantes pobres, aprendeu o alemão antes mesmo do português e manteve o sotaque na idade escolar. Sua trajetória como escritora é destacada por uma escrita irreverente, em que tal diferença não é compreendida como se ela fosse vítima, heroína ou vilã.
            Ao se tornar escritora, as representações aparecem em uma história descompromissada dos fatos reais - a de Mozart, interligada à sua própria, caracterizada por uma possível invisibilidade da autora, que escreveu mais de 100 livros para jovens.
            Suas premiações não soam como mera oportunidade aos excluídos, mas sobretudo como dados biográficos que apontam para a diversão e surpresa, o que pode atender às expectativas desse público específico.
            Quanto ao olhar de algum estudante diante dessa obra, imagina-se que ele não se veja em tal história, primeiramente pela distância cultural. Porém, a identificação pode ocorrer por outra via, ou seja, pelo uso que a autora faz do humor, da poesia e da irreverência.
            "A literatura infantil inscreve-se nesse circuito, onde representações sobre o outro/ diferente produzem identidades e diferenças e, um complexo jogo de produção, consumo e regulação de significados." (Klein, p. 5) Ou seja, não temos a dimensão acerca dos caminhos que a obra possa atingir. Às vezes, o fato da história do compositor parecer distante da realidade maioria da população, pode resultar em curiosidade, buscas e até significados, dos quais não teríamos como imaginar seus resultados no imaginário infantil.

2) ROSA, Nereide S. Santa Rosa e BONITO, Angelo. Villa-Lobos, 1994.

            Villa - Lobos é um livro que demonstra como as mudanças de Estado permitiram ao personagem principal possibilidades de experimentação em estilos musicais variados, despertando seu interesse pela música.
            Nesse caso, a autora narra a história do protagonista como se uma ação levasse à outra, ou seja, Villa foi dando visibilidade e dizibilidade à sua obra, conforme as experiências que vivenciava.
            Tratar da figura do caipira representa mexer com a controvérsia rural X moderno no Brasil, o que deu à Villa - Lobos o título de músico erudito que soube ser popular. Ora, o rural e a figura do caipira pode ser associado à imagem do Jeca, aquele que mal fala, não entende a língua escrita e, portanto, não narra sua história por si mesmo, a não ser que seja por meio da canção, também vista como simples, pouco elaborada/sofisticada. Tanto é que para que tal raiz fosse aceita entre músicos eruditos, foi preciso que uma nova roupagem atingisse sua obra. Uma questão interessante seria verificar como o caipira se vê na obra de Villa Lobos. Assim, o papel do educador, se adotasse essa obra, seria incorporar à obra do personagem principal, outras maneiras de expressar, procurando desmistificar a ideia do caipira como ingênuo demais (vítima), como herói e mesmo como vilão. A própria escuta da obra pode gerar a percepção dos alunos.
            Porém, "o texto escapa, possibilitando múltiplas leituras: [...] não existe um significado fixo único e, consequentemente nunca poderá existir uma leitura fixa, baseada na noção de um conjunto de posições ideais-típicas." (Hall, 2003, p. 370) Sendo assim, por mais que a obra venha a induzir o leitor, como num convite, a percorrer pela obra, haverá sempre significados que escaparão à nossa percepção, devido ao fato da percepção ser única e, conforme a história de cada um.

3) DINIZ, Edinha. Cartola. Callis Editora, 2000.

            O livro sobre a biografia de Cartola foi escrito por Edinha Diniz, responsável por inúmeras outras obras biográficas. A própria autora afirma que não publica histórias de vida, mas ensaios sócio-históricos.
            A vida de Cartola, em si, já é um exemplo de como abordar o diferente, por sua etnia e condição sócio- econômica. A maneira como a autora tratou na obra pode estimular as crianças de uma mesma condição a despertarem o interesse pela música.
            A responsabilidade do professor é enorme, ao exaltar a relação de Cartola com o pai, a sua esperteza e o vínculo afetivo da criança com o instrumento musical.
            "A mensagem é uma estrutura complexa de significados que não é tão simples como se pensa. A recepção não é algo aberto e perfeitamente transparente, que acontece na outra ponta da cadeia de comunicação. E a cadeia comunicativa não opera de forma unilinear." (Klein, p.6) Sendo assim, para cada leitor e ouvinte de Cartola, embora a questão da exclusão esteja latente, haverá muito do que ultrapassa tais condições, no entender de cada um, imbricada em sua poética e narrativa, o que, certamente, gerará um trabalho bastante complexo e interessante.

4) DINIZ, Edinha. Chiquinha Gonzaga. Callis Editora, 2000.
           
O livro sobre Chiquinha Gonzaga perpassa por questões de gênero de uma compositora, pianista e maestrina de grande importância no cenário da música brasileira.
            Sua história não é tida como a de uma heroína em si, mas muitas meninas podem se identificar com sua garra, como ocorreu durante a exibição do seriado sobre essa personalidade.
            A obra tem uma relevância importante por se tratar de uma personalidade excluída que ganha visibilidade e dizibilidade devido à sua obra, por seu vínculo com a família e com a música.




CONSIDERAÇÕES FINAIS

O professor, ao invés de tentar apenas agregar o diferente, deve criar momentos de reflexão diante do que é tido como tal. Ou seja, será que quem é discriminado é que deve se adaptar, ou será que a diferença pode ser utilizada como forma de ampliar as estratégias de aprendizagem?
            Por exemplo, um aluno cego pode estimular o professor a desenvolver materiais pedagógicos, que não só facilitem o trabalho com esse aluno, mas para todos que tenham percepção auditiva melhor que a visual. Incluir, nessa vertente, seria encarar a literatura, não um artefato pronto e acabado, mas um instrumento que representa tempos e momentos, podendo ser transformado conforme "lutas" que resultam em revisões contínuas, pois as negociações em jogos de poder estão em um campo simbólico e as identidades constroem-se a partir das diferenças.
            "As representações constituem campos de lutas nos quais os significados são negociados, construídos, impostos; elas estão envolvidas em jogos de poder e seus efeitos estão implicados na produção de identidades e diferenças." (Klein, Madalena, p. 5)
            Assim, a diferença / diversidade é característica da nossa espécie. Portanto, o modo como gesticulamos, conversamos, cantamos, andamos, independentemente de deficiências físicas, variam infinitamente, pois muito além das diferenças físicas, estão as diferenças culturais.
            Ao professor, cabe ensinar ao estudante o respeito a essa pluralidade cultural, ao mesmo tempo em que, ao dar voz a quem não dizia, ao longo da história, contribui para a democracia e principalmente para a ampliação do universo cultural dos estudantes, ao explorar repertórios variados.
            Na busca da tolerância, também deve vislumbrar que as possibilidades de interpretação das leituras são múltiplas. Daí, o cuidado com o material a ser escolhido, pois dentre as diversas maneiras dele chegar ao aluno, devemos evitar interpretações  que reforcem a naturalização das construções sociais.



BIBLIOGRAFIA

CIT, Simone. Pedro e o choro. Petrobrás Cultural. Ministério da Cultura. Lei de Incentivo à Cultura, 2008.

DINIZ, Edinha. Cartola. Callis Editora, 2000.

DINIZ, Edinha. Chiquinha Gonzaga. Callis Editora, 2000.

HENTSCHKE, Liane; KRÜGES, Susana Ester; DEL BEN, Luciana; CUNHA, Elisa da Silva. A orquestra de Tintim por tintim.

KLEIN, Madalena. Literatura infantil e produção de sentidos sobre as diferenças: práticas discursivas nas histórias infantis e nos espaços escolares. Pro-Posições, Campinas, v. 21, n. 1 (61), p. 179-195, jan./abr. 2010.

KOSCIELNIAK, Bruce. COSAC & NAIFY. A incrível história da orquestra. 2002.

ORTHOF, Sylvia. Cadê a peruca do Mozart. Editora Paulinas, 1998.

RACHLIN, Ann e HELLARD, Susan. Bach. Callis Editora, 1993.

ROSA, Nereide S. Santa Rosa e BONITO, Angelo. Villa-Lobos, 1994.

MIRANDA, Clarice, JUSTUS, Liana. Desvendando a orquestra.Editora Gráfica expoente, 2007.